19.5.09

Le temps perdu

Saudade do ronco do fusca azul, e do cheiro dos bancos de couro. Saudade do rosbife e do manjar. Das canções do Roberto, do rádio do quarto de empregada que ficava sempre ligado, tendo gente pra ouvir ou não. Saudade daquela cozinha azul, que sempre tinha alguma coisa boa pra comer. Saudade do seu Juvenal, das moças mal-humoradas da padaria, do seu Viana, do Dr. Portela, do Dr. Elvas. Saudade dos apelidos, das visitas surreais que apareciam do nada. Saudade da risada, e do jeito como batia palmas ao rir. Saudade dos móveis descombinados, dos presentes que ela ganhava e fazia questão de deixar na sala à vista de todos, mesmo que eles fossem horrorosos. Saudade das flores de plástico que tinham gotinhas igualmente falsas coladas; eu tinha o prazer secreto de arranca-las, e depois fui descobrir que minha prima fazia o mesmo. Saudade das encomendas gigantescas que vinham do Maranhão, do camarão que nunca comi, da farinha d'água de que não gosto, e da fritada de bacalhau, que eu ainda tenho a esperança de comer novamente, mesmo que feita por outras mãos. Saudade de como me perguntava: "Ju, quer uma pizza?", daquele jeito que só vó faz, pra burlar minha mãe natureba. Saudade das sessões de cinema no Unibanco. Saudade de como fumava cigarros escondida dos outros, na área de serviço. Saudade das ceias de Natal, e do parabéns pro menino Jesus à meia-noite, e saudade de todos aqueles rituais engraçadíssimos de Ano Novo. Saudade dos resquícios ludovicenses, das expressões que ninguém mais usa, da ótica muitas vezes sábia, e algumas vezes totalmente surrealista e desligada. Saudade do jeito engraçado de suspirar e de rir da vida. Saudade daquela viagem pra Olinda, das idas à praia do Flamengo, do bronzeado que nunca mais largou a pele. Saudade dos banhos de cuia numa banheira improvisada. Saudade dos brincos e colares dourados, dos vestidos de rainha, dos inúmeros lenços pro pescoço. Saudade da casa sempre aberta pra quem quisesse entrar, do aconchego e do sossego, que subitamente cedia lugar a festas eternas. Saudade de como assumiu pra si o papel de vó, que não lhe cabia geneticamente, mas ninguém é capaz de dizer que não foi avó, porque foi da melhor qualidade, mais do que as outras (cada uma por sua razão). Saudade do nome, que ninguém tem. E vai ver por isso mesmo que ninguém é capaz de ser igual a ela na história do mundo.

13.5.09

Da castração

E de repente eu senti tudo estourar. Como aquele elástico vagabundo de escritório que você puxa até que ele estoure na sua mão, voando na sua cara e lhe deixando vermelho por causa do impacto.
Eu senti. Plect. Na minha cara. Do meu lado, atrás de mim (precisamente na nuca, feito gato que arrepia os pelos quando sente perigo), dentro de mim, e até mesmo longe, bem longe daqui.
Havia se criado um abismo. Como se o tempo tivesse parado, menos eu, e eu pudesse ver tudo congelado à minha volta. Eu me mexia pela cena tentando achar os 7 (só sete?) erros do jogo. A percepção do que era sólido e do que era imaginação não mais existia. Entrou tudo num mesmo liquidificador e se tornou uma massa quase homogênea, mas daquelas que ainda são meio embolotadas.
As palavras não faziam sentido, e talvez nunca tenham feito, mas o fato é que agora elas eram realmente inúteis. Uma vontade de me esconder nos travesseiros me invadiu. Mas eu não posso parar. Não posso, não posso...
Keep walking, johnny walker, que nada nesse mundo espera por ti.